sábado, 24 de setembro de 2011

Tron - O Legado (Tron Legacy - 2010)


Estética é conteúdo

Tron é um filme peculiar. Considero-o muito bom, mas não pelos motivos que usualmente me levam a gostar de um filme. Vou me abster da sinopse e da história da produção (que tenta dar uma sequência – felizmente não se trata de um remake - ao Tron original) e sigo direto ao ponto.

O que Tron tem de especial?

Será o roteiro? Não. A história é para lá de banal, se se considerar globalmente a mensagem passada. O protagonista Sam é um personagem cliché: um jovem rebelde, ressentido por ter sido “abandonado” pelo pai quando criança, que, muitos anos mais tarde, reencontra seu progenitor e descobre que o abandono não foi voluntário. Tenta, então, ajudar o pai a se livrar dos obstáculos que o impedem de voltar para casa.

Serão os efeitos especiais?  Creio que não. É indiscutível que Tron é bastante caprichado neste aspecto. O filme traz, inclusive, uma tecnologia inovadora para contracenar atores reais com figuras digitais. Mas efeitos especiais por si só não sustentam um filme. 

Serão as atuações? Também não, pois apesar das presenças marcantes de Michael Scheen (Zuse, o dono do boteco), Olivia Wilde (Quorra, a garota do latex sensual) e do duplo personagem de Jeff Bridges (Kevin Flynn e Clu), o roteiro não ajuda muito. Vale constar que a atuação de Garret Hedlund como Sam, que protagoniza a história, é, digamos, pouco inspirada.

O que será então? A estética. Tron - O Legado, assim como seu original da década de 80, traz uma estética que chama muito a atenção. A história se passa dentro do computador. Os personagens humanos interagem com formas antropomórficas de programas. Os atores vestem roupas com linhas fluorescentes e o néon está espalhado por todo lugar. Os cabelos, as maquiagens, as cores do cenário, entre outros elementos, estão todos conectados com o ambiente sci-fi que envolve a história. A estética fala por si só. E não precisa falar muito, pois o pouco que ela fala se completa com o significado que o próprio expectador dá a essa estética. Como isso é algo que depende muito da subjetividade do próprio expectador, a estética de Tron certamente agrada uns e desagrada outros e o filme segue sua sorte. Mas, de qualquer forma, ela supre a carência do roteiro fraco.

Apesar de alguns sempre buscarem desvincular a estética do conteúdo, a estética é conteúdo, como se pode ver em Tron.

Acrescento, ainda, que a trilha sonora do filme é muito boa. Foi realizada pela dupla Daft Punk, que faz até uma pequena participação na película. Sem dúvida, não foi por acaso que esses dois franceses ficaram encarregados da trilha sonora, pois a estética que eles próprios adotam em suas apresentações é bastante similar com a dos personagens de Tron. 

Recomendo o filme.

domingo, 18 de setembro de 2011

O Enigma de Kaspar Hauser ( Jeder für sich und Gott gegen alle – 1974)


O filme se baseia na história verídica de Kaspar Hauser, um rapaz de origem misteriosa que, numa manhã de 1828, aparece numa praça de Nuremberg carregando uma carta dirigida ao capitão da cidade. Esta carta informava que o garoto havia sido criado isolado em um porão praticamente sem ter tido contato com outros seres humanos.  Hauser só sabia pronunciar algumas palavras e mal conseguia ficar de pé. Em 1833, foi assassinado por razões tão misteriosas quanto a sua origem.

O caso Kaspar Hauser, na vida real, chamou muita atenção na época e nos anos seguintes, já que se tratava da história de uma pessoa que cresceu fora de qualquer convívio social. Foi estudado tanto por psiquiatras quanto especialistas de outras áreas, até mesmo juristas. No filme, o diretor preferiu abordar apenas alguns aspectos da biografia. Seu foco principal foi o contraste de Kaspar Hauser com as instituições sociais.

O isolamento do rapaz em seus primeiros anos de vida fez com que ele tivesse grandes dificuldades em compreender muitas das convenções sociais. Por exemplo, a lógica matemática lhe era estranha e a ideia de Deus lhe era absurda. Hauser tinha também dificuldades em compreender alguns elementos de realidade, como a noção de tamanho em perspectiva (uma torre grande observada de longe lhe parecia menor que uma pequena torre observada de perto) e a diferença entre sonho e realidade. 

A sociedade que lhe acolheu, se por um lado lhe tentou ajudar, por outro tentou constantemente enquadrar-lhe nas já conhecidas formas de inteligibilidade. O fracasso de Hauser na tentativa de adaptação social é interpretado por essa sociedade como um elemento de anormalidade (o que fica explícito na cena final). O diretor apresenta uma abordagem crítica, ao deixar nas entrelinhas que a patologização do rapaz foi uma forma de defesa que essa sociedade arranjou para esquivar-se da autocrítica. Hauser, e sua falta de socialização, roubava muitas certezas que a sociedade tinha de si mesma.

Creio que se trata de uma biografia bastante interessante, pois coloca em questão muitas das pretensas naturalidades que enxergamos em coisas que são fruto de relações sociais e, portanto, inventadas. Particularmente, não acredito em qualquer discurso de natureza humana, já que tudo o que sabemos sobre nós é o que dizemos sobre nós mesmos, e tudo o que dizemos sobre nós mesmos tem prazo de validade - nossa autocompreensão sempre evolui (o que não quer dizer que progrida).

Na minha opinião, o filme é muito bom. Vale a pena conhecer a história de Kaspar Hauser.

domingo, 11 de setembro de 2011

Meia noite em Paris (Midnight in Paris - 2011)



Este filme tem sido muito elogiado pela crítica e apontado como um grande “retorno” de Woody Allen. Seguindo a proposta deste blog, não insistirei nos elogios – ressalto, apenas, que o filme é ótimo -. Ater-me-ei a somente alguns aspectos.

Interessante observar o papel que a arte ocupa na visão do diretor. Há na história um contraste entre Paul, o professor que quer se exibir com o conhecimento sobre história da arte, e Gil, o escritor que busca vivenciar a arte para, através dela, sublimar, e com essa experiência terminar o livro que está escrevendo. Paul é o clássico Pimba (pseudo-intelectual metido a besta): quer ostentar a arte, mostrando conhecimentos (que, no fundo, são apenas curiosidades sobre as obras que está analisando) com a intenção se pintar culto. Fazendo isso, Paul fisga Inez, a noiva de Gil, que deslumbra-se com a aparência de cultura (“ele é romântico e fala francês”). Gil, por outro lado, não está preocupado em parecer culto, mas em efetivamente vivenciar a arte, a fim de encontrar nela um sentido para a existência (é o que leio nas entrelinhas do filme). O escritor entra em êxtase quando, na fantasia da história, encontra vários artistas do início do século passado e com eles discute algumas percepções próprias da vida.

A questão “para que serve a arte” é, sem dúvida, muito difícil e não arriscarei escrever muitas linhas sobre isso. Agrada-me bastante a perspectiva que Woody Allen passa neste filme: a arte não é um remédio milagroso, mas pode ajudar a lidar melhor com as dificuldades da vida, especialmente aquelas que dizem respeito ao sentido da existência. Talvez seja bom enfatizar isso, uma vez que vivemos numa época em que a arte é constantemente transformada em mercadoria para consumo e com isso perde seu potencial de sublimação (e deixa de ser arte).

Outro ponto relevante do filme é a relação Gil/Inez. Fica claro que Gil não deveria estar com Inez, não só porque ela está encantada com outra pessoa, mas porque é incapaz de perceber as qualidades e os conflitos de seu noivo. Ela está tão demasiadamente preocupada com o que parece arte ou o que parece belo que não tem olhos nem paciência para o convite de seu noivo para embarcar na metáfora da carruagem que leva a um outro mundo. Isso é simbolizado em duas cenas: aquela em que Inez se cansa de esperar pelo que Gil promete na escadaria e aquela em que Inez não aceita o convite para caminhar na chuva. O choque entre os dois é tão explícito que quase soa exagerado.

Gil está em plena fase de amadurecimento e percebe logo que Inez apenas lhe castra. O protagonista não hesita em deixá-la e segue seu rumo na estrada do autoconhecimento. Ele já em seguida se interessa por uma garota que sutilmente potencializa seus anseios – o que é simbolizado pela cena em que ela aceita o convite para caminhar na chuva.

É um filme que vale a pena assistir.